O Tribunal Criminal de Lisboa recusou o pedido de dispensa apresentado pela defesa de Ricardo Salgado, ex-presidente do Banco Espírito Santo (BES), que havia solicitado permissão para se ausentar de futuras sessões do julgamento em que é arguido. Salgado, de 79 anos, responde a um processo em que é acusado de diversos crimes, entre os quais fraude, branqueamento de capitais e associação criminosa, relacionados com a queda do BES e do Grupo Espírito Santo (GES) em 2014.
Pedido de dispensa por motivos de saúde
A defesa de Ricardo Salgado apresentou, no início da semana, um pedido ao tribunal argumentando que o ex-banqueiro não se encontrava em condições de saúde adequadas para comparecer a todas as sessões do julgamento. Segundo o advogado Francisco Proença de Carvalho, Salgado sofre de doenças neurológicas, como Alzheimer, e de outros problemas de saúde que têm afetado a sua capacidade cognitiva e a sua mobilidade, tornando difícil a sua presença prolongada em tribunal.
No documento entregue à juíza responsável pelo caso, a defesa solicitava que Salgado fosse autorizado a faltar às sessões do julgamento, ou, em alternativa, que a sua participação fosse limitada apenas às audiências consideradas essenciais. A defesa também anexou relatórios médicos que, segundo Proença de Carvalho, atestam a condição debilitada do arguido.
Decisão do tribunal
A juíza responsável pelo julgamento, Maria Emília Lopes, após análise dos relatórios médicos apresentados pela defesa, decidiu indeferir o pedido, considerando que, apesar dos problemas de saúde alegados, Ricardo Salgado continua apto a participar nas sessões do tribunal. Na sua decisão, a juíza sublinhou que a presença do arguido é fundamental para o esclarecimento dos factos em julgamento, tendo em conta a complexidade do caso e o seu papel central nas alegações apresentadas pela acusação.
A magistrada frisou ainda que, se fosse necessário, poderiam ser adotadas medidas para ajustar as condições do julgamento às limitações de saúde do arguido, como a realização de sessões mais curtas ou pausas mais frequentes. “O direito à saúde do arguido será respeitado, mas o processo não pode ser travado indefinidamente”, afirmou a juíza durante a leitura da decisão.
Acusação e julgamento em curso
Ricardo Salgado está a ser julgado no âmbito de um dos processos mais complexos e mediáticos da justiça portuguesa dos últimos anos. O ex-líder do BES, um dos maiores conglomerados financeiros do país, é acusado pelo Ministério Público de liderar um esquema de fraude que terá levado ao colapso do banco e do Grupo Espírito Santo em 2014, causando prejuízos de milhares de milhões de euros a investidores e ao sistema bancário português.
Entre as acusações que recaem sobre Salgado estão os crimes de burla qualificada, corrupção ativa, branqueamento de capitais e falsificação de documentos. O Ministério Público alega que o ex-banqueiro terá utilizado um esquema financeiro complexo, envolvendo offshores e contas secretas, para desviar fundos do banco e enganar investidores sobre a real situação financeira do BES e do GES.
O colapso do BES, em julho de 2014, levou à sua resolução por parte do Banco de Portugal, com a criação do banco de transição Novo Banco, que assumiu os ativos considerados saudáveis da instituição. O desmoronamento do banco e as perdas sofridas por milhares de pequenos investidores e depositantes continuam a gerar controvérsia, e Ricardo Salgado é visto como o principal responsável pela crise que abalou o setor bancário português.
Reação da defesa e da acusação
A defesa de Ricardo Salgado reagiu à decisão do tribunal com visível descontentamento, afirmando que a decisão não teve em consideração os verdadeiros problemas de saúde do arguido. Francisco Proença de Carvalho indicou que irá continuar a lutar para que o tribunal reconheça as dificuldades de Salgado em acompanhar todas as sessões, considerando que a justiça deve equilibrar os direitos do arguido com as exigências do processo. “Estamos a falar de um homem com uma idade avançada, que enfrenta problemas graves de saúde. Não podemos ignorar essa realidade”, disse o advogado à saída do tribunal.
Por outro lado, a acusação saudou a decisão do tribunal, afirmando que a presença de Ricardo Salgado no julgamento é essencial para o esclarecimento dos factos. O procurador do Ministério Público, José António Salgado (sem relação com o arguido), afirmou que Salgado tem uma responsabilidade direta pelos acontecimentos que levaram à queda do BES e que a justiça deve prosseguir com a total transparência e rigor.
“Este é um processo de grande dimensão e complexidade. O arguido desempenhou um papel central em todas as operações que estão sob escrutínio e, por isso, é imperativo que continue a acompanhar o julgamento. A sua presença permitirá um melhor esclarecimento dos factos e garantirá que o processo decorra de forma justa para todas as partes envolvidas”, destacou o procurador.
Impacto no público e nos investidores
O processo de Ricardo Salgado continua a ser seguido de perto pela opinião pública, especialmente por aqueles que foram afetados diretamente pela queda do BES. Milhares de pequenos investidores, que perderam as suas poupanças com o colapso do banco, têm acompanhado atentamente o desenrolar do julgamento e muitas associações de defesa dos investidores têm pressionado para que seja feita justiça.
As consequências financeiras da queda do BES ainda se fazem sentir no setor bancário português, com o Novo Banco a acumular prejuízos nos anos subsequentes à sua criação e a requerer apoios financeiros do Fundo de Resolução, que tem impacto direto nas finanças públicas. A resolução do BES continua a ser um dos maiores escândalos financeiros da história recente do país, e o desfecho do processo contra Ricardo Salgado é aguardado com grande expectativa.
Próximos passos no julgamento
O julgamento de Ricardo Salgado deve prosseguir nas próximas semanas com a audição de testemunhas-chave no processo, entre as quais antigos administradores do BES e do GES, reguladores do Banco de Portugal e investidores que foram prejudicados pelo colapso do banco. A defesa já sinalizou que poderá apresentar novos pedidos de ajuste no calendário das audiências, mas até ao momento o tribunal manteve o cronograma inicialmente previsto.